Mediante a possibilidade de escolher uma mudança importante, não é raro que se materialize na nossa frente o medo do desconhecido.
Qual é a forma que o "Sr. Medo do Desconhecido" tem para você? Um pesadelo em tons escuros e disformes? Uma muralha blindada e intransponível? Um abismo em que não se enxerga o chão? Um poço sem fundo? Um monstrengo horrível, poderoso e invencível? Ou talvez seria um horizonte enevoado com areia movediça?
Alguma vez você já conversou cara a cara com este seu "Sr. Medo do Desconhecido" particular nesse formato em que ele lhe seja mais facilmente visível. Nunca? Então experimente, faça isso.
-(Voz grave e fantasmagórica) "Eu sou o terrível Sr. Medo do Desconhecido!" (Talvez sob a forma de muro falante ou poço ecoante, à seu critério)
-(Sua própria voz, talvez abafada) "Prazer, eu sou fulano."
E já que estamos no terreno da imaginação, por que não aproveitamos para amassar, feito folha de papel, o Sr. Medo do Desconhecido e jogá-lo no lixo? Ou então podemos simplesmente soprá-lo para que ele se dissolva em pó. Ou mesmo talvez diminui-lo até que ele vire um ínfimo nada e simplesmente desapareça. Em fantasia, tudo podemos.
Pronto! Feito! (Cena de você mesmo alegre esfregando as mãos em sinal de um bom trabalho concluído) Em relação a esse tema, seus problemas acabaram, certo?! (...) (Sons de grilo) (...) (Silêncio incômodo).
É óbvio que não deixamos magicamente de ter temor pelo incerto dessa forma lúdica. Mas não se iluda. Não foi pela ineficácia do método imaginativo simples descrito acima que isso não ocorreu. O buraco está um pouco mais abaixo. Quando eu digo para mim mesmo que eu tenho medo do desconhecido, isso significa que eu, sem perceber, estou criando um holograma cerebral projetado para fora como justificativa para não mudar. Quando usamos o pavor pelo incógnito como desculpa para não mudar, estamos criando uma "entidade qualquer" projetada para fora de nós mesmos como impeditivo para alguma transformação pessoal importante.
Note, contudo, que dizer "medo do desconhecido" é exatamente a mesma coisa que dizer "apego ao conhecido"! Porém, não costumamos ficar muito confortáveis em falar: "eu sou apegado ao conhecido". Afinal, soa muito mais suave aos nossos próprios ouvidos quando nos justificamos para a inércia e para o automatismo simplesmente expressando o fatalista: "eu tenho medo do desconhecido".
"Ter medo do desconhecido" cria uma dificuldade externa. "Ter medo do desconhecido" suga-nos as opções de escolha, afinal, o tal do desconhecido estaria "lá fora", além do nosso alcance, limitando as nossas opções. Assim, produzimos, para nosso conforto para a mesmice, as ilusões do Sr. Medo do Desconhecido, quer seja ele um abismo, um monstro, uma névoa, um pesadelo, um poço, uma parede ou lama. Não importa a forma que ele tome, o que nos importa, no fundo, é dizer que está fora do nosso alcance. Iludimo-nos, desta feita, que não mudamos porque existe uma "força fora de nós mesmos" que nos impede. Armamos todo esse circo mental e esta linguagem sutil e vitimista para não expressar o que preferimos manter camuflado em primeiro lugar: que, na verdade, não queremos mudar. Não é que eu tenho medo do desconhecido e daí é por isso que eu não mudo. É justamente o contrário! EU ESCOLHO NÃO MUDAR E DAÍ EU CRIO O SR. MEDO DO DESCONHECIDO PARA JUSTIFICAR O APEGO AO MESMO DE SEMPRE.
O que seria o desconhecido senão o infinito de possibilidades em aberto dependentes das escolhas que fazemos ou deixamos de fazer neste exato instante?
Mudar do "eu tenho medo do desconhecido" para "eu sou apegado ao conhecido" exige muito mais do que uma simples troca de palavras. Tratam-se de duas expressões que representam uma única ideia idêntica, mas vistas sob perspectivas complementante distintas. Passar do fatalista "medo do desconhecido" para o realista "apego ao conhecido" implica num grande desmanche de paradigma mental. Ao fazê-lo, perdemos nossa máquina cerebral de projetar ilusões holográficas para fora de nós mesmos. "Ter apego ao conhecido" requer a troca de culpas externas por uma profunda auto responsabilização interna. "Ter apego ao conhecido" nos coloca face a face com o livre-arbítrio.
Confortar-se com o "medo do desconhecido" é manter-se aprisionado ao papel de vítima do destino cruel. Tentar vencer o "medo do desconhecido" é guerrear inutilmente o auto engano de uma batalha imaginária já perdida contra miragens de abismos, fantasmas, pesadelos, etc. Produzimos um vilão imaginário favorito para continuar a reafirmar nossa escolha mais profunda pelo que realmente está por trás disso, que é o nosso apego ao que nos é familiar, rotineiro e estável. Por outro lado, admitir o "apego ao conhecido" evidencia o quão ao nosso próprio alcance realmente está a possibilidade de transformações importantes em nossas próprias vidas. A partir deste ponto, não se trata mais de "força" para vencer o "fantasma" do medo, trata-se, isto sim, de escolher desapegar-se, de deixar para trás um formato limitado e afunilante que pode não mais nos comportar.
Imagine se o bebê, por medo do desconhecido, resolvesse se apegar indefinidamente ao mundo confortável do útero da mãe. Ele simplesmente não nasceria.
Imagine se a lagarta, por receio do imponderável, resolvesse se apegar ao casulo. Ela simplesmente não viraria borboleta.
Imagine se o pintinho, por temor do misterioso, resolvesse se manter dentro do ovo. Ele simplesmente morreria.
MEDO DO DESCONHECIDO = APEGO AO CONHECIDO
Leonardo Lourenço
Comments